terça-feira, 19 de junho de 2012

Se eu te bato é só porque gosto de ti

Jesus Cristo ficaria orgulhoso de nós!
(Quando me referir a médicos estou a tratar da maioria e não de algumas excepções que não fazem diagnósticos diferenciais quando uma tosta sai queimada)

É o lema de todos os pais que gostam de assentar a mão (ou o cinto) nos filhos. É assim que se corrigem os erros na educação, com reforço pavloviano. Talvez às vezes funcione. Neste caso não vai funcionar.

Para quem não sabe, vai haver uma greve dos médicos no mês de Julho. Para quem não sabe porquê, existe a causa principal e as justificações. Segundo as notícias, ao mesmo tempo que cessam os novos contractos na função pública médica, o ministro da saúde decidiu contratar uns quantos milhões de horas para tapar buracos nos hospitais: para atender doentes indiferenciados nas várias situações que o justifiquem. Isto ao mais baixo preço. Os médicos queixam-se, não admira. Afinal de contas aquela ideia de obrigar o mundo todo a fazer contracto é só válida para quem não pertence ao SNS? Um médico quer a sua estabilidade!
Tudo bem até aqui, aliás, eu até concordo que o esquema é uma palhaçada. Mas onde acabam os factos começa a burrice, burrice constatada nas conversas de café e nos grupos do facebook que tenho visitado.
Os profissionais de saúde têm sido vitimizados pelas paralisações dos transportes públicos. Felizmente são melhores que os maquinistas, eles estudaram mais, eles têm uma ética (dá-se no 5º ano e é obrigatório passar). Os médicos quando fazem greve não prejudicam as pessoas! Sim, não estou a brincar, há quem tenha dito isto. Mais que um! E não eram psiquiatras! Quando fazem greve existem serviços mínimos na mesma, o equivalente ao hospital de fim-de-semana. Ninguém fica por tratar… isto se for urgente. Pelos vistos para alguns médicos o facto das pessoas de 2 dias terem a consulta adiada sabe-se lá para quando não é problema nenhum. Não é urgente, urgente é lutar pela dignidade da profissão. Ao menos os maquinistas não mentem a eles próprios…

Quando o monge da saúde toma a bata branca abdica de toda a sua vida. Ou pelo menos alguns colegas de profissão assim pensam, que passam sempre a pôr a saúde dos doentes em primeiro lugar. É um ideal bonito. E é por isso que quando os médicos fizerem greve, estarão a fazê-la pela saúde das pessoas! Não tem nada a ver com interesse pessoal! As pessoas não podem passar com esquemas económicos de redução de despesas que comprometem tão francamente a qualidade de saúde. O objectivo do estado é literalmente contratar pessoas pouco qualificadas, sem especialização. A pergunta que uma pessoa normal (presumidamente com senso comum) faria a seguir é “e o que fazem os estudantes durante 6 anos que no fim ainda não são capazes de fazer urgência básica?”. Eu não sei responder a essa pergunta. Possivelmente terá a ver com o tempo que se perde em coisas como
- Introdução à medicina
- Medicina preventiva
- Ética
- Medicina Geral e Familiar
- Aulas de 2 horas sobre lavar as mãos

…que poderiam ser tratados em 1/10 do tempo, deixando mais para o importante. Eu pessoalmente sou da opinião que quando uma pessoa tira um curso de 6 anos era interessante ter alguma saída directa para o mercado que não fosse “saúde 24” e “call center da tmn”. Mas isto sou só eu.
Continuando, os médicos então fazem greve para precaver o futuro dos utentes. Belo. Porque se fizerem, o ministro vai encontrar dinheiro debaixo da cama para pagar as contas que o SNS anda a fazer. E porque vai ter todo o interesse em fazê-lo. Ou então não. A greve dos maquinistas, ao contrário da greve dos médicos, chama a atenção. As pessoas não podem ir trabalhar, não têm mobilidade, as estradas escorrem carros por todas as saídas, milhares de vidas são infernizadas e a popularidade governamental sofre com isso. Se os professores fazem greve há 30 pais por professor que não sabem o que fazer com os filhos, estão parados a vê-los atrasarem-se no programa e darem cabo do futuro. Quando o Santa Maria não fizer consultas durante dois dias quem vai dar por isso? Talvez uns 15 doentes por médico. Vão ter que remarcar, esperar mais um pouco, vão apanhar o metro de volta ao trabalho enquanto dizem que é “uma maçada”. Se estiverem mesmo doentes vão ter urgência na mesma. Uma semi-paralização médica é uma chatice, mas se o metro está fechado é um escândalo. E o senhor Macedo vai ligar a isso? Claro que sim! Era feio se não fosse dizer à televisão que vai tentar acomodar os “nossos” interesses o melhor possível. Vai ser evasivo e vai ficar tudo na mesma. Se a greve raramente funciona para os maquinistas, então para os médicos vai ser tão eficaz como a pílula de açúcar.

Mas ai de quem diga isto! Aliás, umas pessoas disseram isto. A “classe médica” revelou então a sua classe enchendo os pulmões de falácias lógicas e arremessando-as como vómitos explosivos. Tiros a torto e a direito mas saliento os dois melhores, o “tu não és médico, não percebes nada de saúde” e o “tu és muito novo para perceber o que é a luta de um trabalhador”. Já que o primeiro foi lançado a um economista doutorado, entende-se. Afinal de contas os raciocínios que eu aqui apresentei estão errados nitidamente, nunca foram provados pela experiência e são desprovidos de base lógica. Visto que o economista também os apresentou mas não sabe o peso de uma bata branca de algodão e fibra sintética, não sabe do que fala. A saúde não gasta dinheiro, metem-se miminhos no chão e a árvore das patacas deixa cair cateteres e máquinas de tomografia. Outros incultos, entre ciências políticas e engenharia são igualmente incapazes de perceber as necessidades do SNS. E aquele tipo que tinha menos que 20 anos? Então, esse não sabia nada do que é trabalhar! É preciso respeitar os mais velhos, com mais experiência. Por isso é que eu oiço sempre a minha avó quando diz que as queimaduras se tratam com manteiga. Quem está debaixo da árvore tem a visão completa das do topo. Aqueles tipos que ali vão a passar de helicóptero deviam estar calados.

Resto eu, um parvo inculto que não sabe nada da vida, a ovelha negra dos estudantes de medicina, que sabe-se lá como passou nas entrevistas inexistentes de admissão à faculdade, diabo sem uma réstia de compaixão. Eu sou ignorado, para ser insultado na privacidade das casas de médico. E eu sou aquele que pede desculpa.

Peço então desculpa a todos os que foram insultados pelos médicos por não partilharem dos seus ideais paladinos. Peço também a todo o profissional de saúde que contemple o problema pelo que realmente é: as estruturas governamentais nunca podem oferecer confiança; a saúde não fica mais barata graças ao SNS, só fica mais cara e pior.

E àqueles que pensam em vir chatear com o sistema privado dos EUA, não existe sistema privado nos EUA, existe um sistema em que o governo oferece monopólio às seguradoras, cria estruturas que aumentam artificialmente o preço da saúde e mais de metade da população está abrangida por um plano de saúde público (efectivamente mais uma vez não se pode confiar no governo). Procurem antes outro país para dar maus exemplos.

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