quarta-feira, 13 de junho de 2012

O desabafo do homem desesperado

O dia estava cinzento, com uma brisa que seria muito mais apreciada se fosse verão. Hoje cortava como farpas de gelo, ressaltando na gabardina mas deixando as suas marcas na cara de Jobim. Ele mantinha a sua rota apesar de tudo, em direcção ao parque infantil, abandonado há muito, destruído pelo tempo e pelos drogados. “O parque é como eu”, pensou enquanto caminhava, “ele está à espera, mantém o seu propósito, não quer adaptar-se, apenas quer cumprir a sua função”.

Jobim sentou-se no único banco que mantinha alguma integridade estrutural. Sentiu o orvalho a trespassar a roupa mas já era tarde demais para o evitar. O ressentimento cessou ao chegar outro, o seu contacto, que com determinação e fluidez se sentou e esperou, olhando para a ferrugem e decadência.

“Não sei se posso continuar a fazer isto. Estamos a viver a maior mentira do mundo e ninguém quer sair da bolha de negação. Divertem-se com pequenos circos e encobrem a sensação de inutilidade disputando pequenas lutas. Eu participo para não levantar suspeitas, olho para eles e sinto uma tristeza profunda. Não foi isto que escolhi, nunca pude escolher. Um universo com humor negro colocou-me nesta posição ingrata, a de ver tudo arder tendo um extintor na mão, à espera que me puxem a cavilha de segurança. Sou o salvador em bruto, à espera. Leva-me contigo, para fugir e nunca mais pôr um pé no meio da multidão inculta e acéfala, permanentemente a esculpir falsos ídolos na praça com as forças que negam a eles e às famílias”. Jobim parou e retomou o folego. Continuou. “Como consegues tu viver no meio desta farsa com tanta facilidade, orientas-te pelas ruas como se fossem tuas, olhas nos olhos dos outros como se todos te devessem algo que pela tua misericórdia nunca cobrarás”, a sua voz perdia continuidade, falava agora com emoção, entre soluços de um choro que lhe tomava todas as forças para contar, “Diz-me, diz-me como!”.

O outro mantinha-se impávido desde que se havia sentado. O frio e o vento não lhe faziam diferenças, os pêlos ruivos pareciam indiferentes ao estado do tempo. Deixou que um minuto de silêncio desse a hipótese a Jobim para retomar a expressão pétrea e endurecida que a emoção lhe tinha roubado. Finalmente olhou para ele, com uma expressão jovial, não aquela que lhe tinha sido referida há pouco mas uma de compaixão e curiosidade pela vida e pelo futuro. Preparou-se para lhe dizer as últimas palavras que pronunciaria neste banco, neste parque, a este pobre homem de gabardina. Finalmente retorquiu, “meow”.

O seu trabalho estava feito. Colocou uma pata na perna de Jobim, de seguida outra e saltou para o seu colo, apenas por um segundo, e foi-se embora para nunca mais ser visto.

E foi a última vez que o tareco visitou o parque.

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