domingo, 13 de março de 2016

As aventuras do gajo da flor 5

Por hora incerta o gajo da flor finalmente chegou à praça central, encontrando, como esperado, uma fonte em que pequenas crianças com asas pigmentadas por dejectos de gaivotas urinavam perpetuamente na piscina que lhes banhavam os pés. Era uma cena que o fez reflectir nas dificuldades da vida de cada um, nomeadamente nas dificuldades em conter xixi quando se está dentro de uma piscina, mas sabendo que são esses mesmos resíduos onde se vai nadar a seguir. O caso estava mais que decidido na sua terra e pela arquitectura Belrufiana, era indicativo de ter cuidado nos banhos públicos.
O sol iluminava a praça homogeneamente, não projectando sombra alguma. Os edifícios de volta da praça eram iluminados em tons amarelados, as lojas não tinham toldos, preferindo o sol salientando os seus produtos, maioritariamente peixe, conchas e títulos do tesouro. Apenas uma loja não tinha bancadas à porta, a janela coberta com cortinas de tecido. Certamente que seria a loja indicada pelo capitão estrela. No entanto a sede apoderava-se dele, e o pénis dos pequenos anjos tornou-se apetecível. Sentou-se à beira da fonte, chegando o mais perto possível de onde ela jorrava, tomando o cuidado de não fazer do documentário do autor inapropriado para audiências mais jovens.

Quando a sua mente voltou a aclarar deparou-se com um jovem rapaz em gabardina preta sentado a seu lado à beira da fonte. Tentava claramente meter conversa com ele de uma forma o mais dissimulada possível. Falhando miseravelmente, já se encontrava a um palmo de distância da face do gajo da flor, este sentindo o hálito profundo a actimel e gomas de coca-cola.

Havia algo de profundamente errado nesta personagem que se havia materializado a seu lado. A face do rapaz era aveludada, de quem ainda tinha muitos gormiti pela frente antes de ver a primeira penugem que antecede a barba. Tinha uns olhos arredondados que exudavam mistério, o mistério de quem um dia viu um anúncio de strap-ons na lateral de um site da internet e se foi gabar para os amigos que passou a noite a ver um filme porno. A sua fronte estava encoberta por um chapéu tipo fedora, escuro, que condizia com a gabardina.

O gajo da flor finalmente apercebeu-se de que à sua frente se encontrava condensado num único pacote tudo o que estava errado na juventude, o arquétipo do saco de pancada do recreio, o medo que tirava as noites tranquilas aos pais que querem que os filhos cresçam normais.

Sentindo-se cada vez mais troçado ao olhar do autor e do protagonista, o rapaz finalmente vocalizou as suas intenções.

"Meu caro, como consegues beber essa água? Essa água é péssima!"

O gajo da flor não apreciou de todo o comentário, respondendo friamente. "A água está perfeitamente boa e quem és tu para comentares tão abertamente os meus hábitos?"

"Oh, não o queria ofender, meu caro amigo! O meu nome é miúdo diamante. Sou um agente secreto autorizado da bimba, a melhor máquina e provavelmente a única máquina que alguma vez vai necessitar de ter na sua cozinha!

Sim sim, com a bimba nunca mais terá que beber água choca e mal confeccionada! A minha máquina tritura, bate, cozinha, conta até mil e gratina em anos bissextos! Em vez desta água, podia neste preciso momento, com facilidades de pagamento, estar a beber um chocolate quente no seu restaurante favorito, a sua casa! Ou mesmo uma sopa quente e aveludada, já lhe disse que as sopas são aveludadas?"

"Não, não me disse que as sopas são aveludadas e a minha casa está demasiado longe daqui para eu precisar de um robot de cozinha. Porque é que não vai antes tirar selfies para as redes socais em vez de me chatear?"

"Oh, mas qualquer investimento na bimba compensa, meu caro! Mesmo para quem não tem residência permanente, uma bimba será sempre a sua melhor amiga! Tem pés anti-derrapantes que lhe permitem pousá-la em qualquer lado e confeccionar os seus alimentos, é o seu manjar em qualquer lugar! Em vez de levar atrás das costas um fogão, batedeira, liquidificadora e a sua mãe, tem apenas esta máquina! Bem viu o ar de satisfeito dos meus antigos clientes por quem passou há instantes, eles dispensaram de uma residência porque a bimba é também um T2 completamente mobilado!"

Enquanto o agente da bimba exercia o seu direito constitucional à verborreia, o gajo da flor já se havia levantado e alargava o passo para o interior da loja. A sua cinética não suspendeu no entanto a ladainha do miúdo diamante, que manteve o débito.

"Já lhe disse que pode pagar em cómodas prestações? Ou se se juntar a nós consegue inclusivamente amortizar os pagamentos num instante! Eu não vendo bimbas, elas praticamente vendem-se a si próprias! Na noite passada enquanto dormia, deixei uma fora da caixa e ela vendeu três colegas! É uma máquina incrível, já lhe falei das sopas? São mesmo aveludadas. É óptimo para os seus filhos, pode dar-lhes banho mesmo aqui na fonte enquanto confecciona o jantar sem medo que se queime. E se não gostar deles, a liquidificadora elimina qualquer hipótese de reconhecimento forense. Está a ver a minha mãe? Não? É porque está neste cantil, ela não me deixava cozinhar a partir das 23h portanto eu resolvi o problema, bimba way. Já posso cozinhar e tenho um belo caldo de galinha para deixar os alimentos mais saborosos."

O gajo da flor entrou pela loja, deixando de ouvir o miúdo diamante ao longe, apanhando à distância apenas as suas últimas palavras soltas, "mas as sopas? Mas as soooopaaas?"

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