segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

As aventuras do gajo da flor 4

A cidade do porto de Belruf abraçou o gajo da flor nos primeiros instantes. Era um aglomerado de habitações de dois andares, com ruas apertadas como as partes baixas de uma virgem e labirínticas como os pensamentos de romance de uma prostituta. Encostados às paredes encontravam-se ocasionalmente pedintes, vendendo pensos rápidos e cubos knorr, emanando um odor mais nauseabundo que os marinheiros, pela total ausência de água nas zonas cutâneas desde a ruptura da bolsa na barriga da mãe. No entanto o rumo nunca se perdia em Belruf, auxiliado intermitentemente pela estrela guia que era o obelisco ou silo de gramíneas do centro da cidade, apenas obscurecido por um transeunte encapuçado que saltava de telhado em telhado.
O gajo da flor parou por momentos, o aroma dos cubos knorr entrelaçando-se à omelete parcialmente digerida, tentava agora puxá-la para o exterior, violando brutalmente o seu esófago. O gajo concentrou-se no seu propósito, na promessa de alojamento pela lantejoula e ergueu-se novamente, recomeçando a andar. O que o movia era a possibilidade de se afastar dos pedintes e lavar a cara na fonte do centro da cidade, que certamente jorraria água semi-transparente pelo pénis de um infante com asas petrificado. De repente o céu encobriu-se. Olhando verticalmente o gajo da flor viu a figura em capuz, equilibrada num galo bússola instalado na chaminé da casa à sua frente. Num instante este atirou-se rumo ao solo, esticando os braços como um mergulhador profissional ou o miúdo gordo da escola quando perguntam se alguém quer bolo. Este caia agora vertiginosamente em direcção a uma carroça cheia de feno. O mergulho culminou num sonoro *plop*, e o gajo da flor correu em seu auxílio, ignorando o grito surdo da omelete que acariciava já a sua faringe. As palhas moveram-se, saindo a criatura do meio da ração de cavalo como se tivesse acabado de acordar de um sonho sobre baguetes.

"Estás bem?", perguntou o gajo da flor, com a sua característica familiaridade desconfortável com pessoas que nunca tinha conhecido.
"Estou sim, obrigado meu caro cavalheiro. Já é um hábito meu, tão antigo quanto passear pelas telhas alheias, em jeito de credo de assassinos", retorquiu o jovem enquanto retirava pedaços de palha da sua barba pontiaguda.
O gajo da flor levantou a sobrancelha. "Assassinar pessoas é uma coisa, outra é dar cabo dos tectos dos trabalhadores. Os telhados são como as formações espartanas, se uma se parte, toda a estrutura está comprometida. Lá que andes a matar pessoas por dinheiro não me diz respeito, mas podes estar a provocar uma inundação no quarto de alguém! ... e já agora, se estás tão bem e inteiro, porque é que a carroça está a sangrar profusamente?"
"Hein?"
"Sim, está a jorrar sangue no chão, e além disso vejo um braço espetado ali de lado, de alguém com as mesmas vestes que tu. Espero que o tipo que caiu não tivesse alguma doença, ainda podias ter apanhado alguma coisa!"
Uma sombra apoderou-se do olhar do homem em capuz. Este abriu os olhos e fez uma cara feroz, como uma criança obesa e mimada a quem lhe é negado o bolo. Gritou "Olha que eu sei tudo sobre SIDA!"
"SIDA?", perguntou o gajo da flor, visivelmente confuso.
"Sim, SIDA", disse o Ezio, perdão, a figura encapuçada, "e não está ali ninguém nem há sangue, fui mesmo eu que saltei de cima do galo! E só mesmo porque eu sou uma pessoa acima das tuas mesquinhices, deixo-te um conselho, não compres caldos knorr aos pedintes. Eles fazem-nos com uma mistura de ervas e gordura das costas retirada com uma espátula de pedreiro."
O gajo da flor respondeu, "por acaso conheci um pedreiro e não me falou sobre espátulas."
Nesse momento a mão que pendia da carroça deu um esticão e ouviu-se o gemido. A figura em capuz, sentindo-se exposta, não respondeu mais e saltou para o telhado mais próximo, atirando com meia dúzia de telhas ao chão. No fundo ouviram-se passos da guarda republicana em perseguição. No tumulto, o rapaz deixou cair uma adaga do uniforme, que o gajo da flor apanhou e um pequeno livro com sinais de uso frequente, que colocou no bolso de trás das calças.

Gajo da flor recebeu: Adaga do credo dos assassinos
Gajo da flor recebeu: Manual Oxford de HIV, 3ª edição
Gajo da flor ganhou experiência: 10pt

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