sábado, 6 de abril de 2013

O problema dos comediantes são as cascas de ovo no chão

Há uns dias atrás uma amiga perguntou-me o que eu tinha contra os católicos para andar sempre a fazer piadas com eles e porque não me dedicava um pouco mais aos muçulmanos, por exemplo. A minha resposta imediata foi algo sobre o facto das minhas pretensões serem de chatear os amigos e dado que não tenho nenhuns que gostem de rezar em cima de tapetes e orientados geograficamente, acabo por fazer ênfase maior em cristãos. Mais tarde pus-me a pensar no assunto e reparei que o que disse, apesar de verdade, é apenas uma fracção da história. Afinal de contas porque se perderam as bonitas tradições de gozar com homossexuais, muçulmanos e tantas outras “minorias”? A resposta encontra-se no seio neoplásico, fibrosado e descaído da palavra “aceitável”.

O humor contempla o anormal, pelo menos quando não faz parte da rotina de stand-up de uma mulher que acha que a menstruação e toda a variedade de pensos e tampões são peça de comédia. Este facto acarreta sempre o risco de se ofender alguém, podendo na melhor das hipóteses terminar num nariz partido. Os comediantes profissionais defendem-se deste problema gozando com duas entidades principais: o próprio, como fazem o Alvim e o Nuno Markl, parodiando eternamente as suas próprias vidas como supostas criaturas de cave, virgens, pervertidas e cujas infâncias estão recheadas de inadequação; e personagens que podem ser gozadas por tal ser prática comum ou porque são tão inocentes que qualquer paródia está a anos luz de vestígios de verdade. Assim posso gozar comigo, com o Gandhi, o Obama, o Miguel Relvas, qualquer figura política e pouco mais sobra. A partir daí entramos no território perigoso mas ainda aí há diferentes gradações. Afinal de contas é diferente invadir Moscovo ou Paris. 

Gozar com a homossexualidade é possivelmente um dos maiores perigos para a ostracização imediata num grupo de amigos. Este é um grupo cujo policiamento do politicamente correcto é o sonho molhado do Salazar. Em todas as esquinas há um defensor do “bom nome” da homossexualidade. A razão para isso é enevoada, um misto de “não podemos reacender o ódio do passado” com um “gozar com minorias é feio” turbinado. Ainda se ouve o grande clássico do “tu é que estás inseguro da tua sexualidade” mas eu pergunto quem é que está inseguro aqui? Temos um grupo que não admite a sua fuga à normalidade, uma normalidade manifestamente óbvia dada a impossibilidade de partos por via rectal, que passa metade da vida a lutar pelo direito de serem iguais aos outros (o que é bizarro porque a outra metade é passada a exaltar as suas diferenças) e que não aguenta quando alguém comenta sarcasticamente a sua cultura ou a exagera. Não, um comediante que se atreva a referir os gostos afeminados de uma porção de homossexuais passa 9 em cada 10 vezes por homofóbico, o que corresponde a ser chamado de feiticeiro pela inquisição. Dispensa-se a fogueira, há outras formas de arruinarem vidas. Também não entendo bem o problema da palavra homofóbico, ficava muito mais preocupado se me chamassem homofílico. 

Ser muçulmano nos dias que correm tem os seus pontos altos e baixos. Acredito que seja aborrecido ter os olhos dos outros em cima nos transportes públicos e fazerem-lhes uma colonoscopia antes de os deixar entrar num avião, no entanto há que sentir um orgulho especial pela cultura de medo e opressão que geraram nos povos europeus, aquelas gentes que conquistaram e inventaram a grande maioria do que é hoje a vida para posteriormente invaginarem qualquer vestígio de pénis e converterem-se à religião de dar a outra face para comer mais um par de estalos do resto do mundo. Com um medo tão enraizado que eu me pergunto se o que escrevi até agora me garante uma ameaça de morte, quem precisa de lápis azul? 

Os católicos por outro lado são uns “curtidos”. São europeus por um lado, portanto estão já bem embebidos no sentimento de culpa sem objecto para se manterem no silêncio. Espalharam a fé à lei da espada pelo mundo todo, o que garante uma suposta dívida ad eternum ao resto da humanidade. E apesar de algumas semelhanças, o menino Jesus, que diferencia o cristianismo das outras religiões com maior ênfase na parte em que deus manda com os projectos todos da secretária para o chão e começa de novo, certifica-se que o cristão dos dias de hoje há-de ser espancado, atropelado e violado antes de levantar a voz. No fim, enquanto limpa o metafórico rabo murmura que as contas serão repostas no além. O cristão dos dias de ontem, que pregava a miséria e humildade enquanto regia a Europa com punho de ferro e amansava os aborígenes, tinha a dose de hipocrisia necessária para ignorar o que dizia e fazer correr sangue se fosse necessário. O cristão de hoje não beneficia da aura de medo do muçulmano ou das ondas de indignação, sentimento de ofensa e outras crises de histeria características de grupos como os homossexuais, judeus e outras religiões e cultos que tendem a lançar processos quando são feitas piadas à sua custa. 

Mas isso é bom? Nim. 

Por um lado eu dou-me com cristãos, são pessoas que aparte da crença numa entidade superior porque ouviram falar disso, são absolutamente normais e como tal, uma porção é compatível para amizades comigo. Infelizmente sofrem com a minha língua solta. No entanto, quando deparado com as “minorias” cronicamente vitimizadas uma pessoa passa conversas inteiras medindo as palavras e perguntando-se se vai inadvertidamente ofender alguma sensibilidade. Uma boa regra para escolher amigos é o teste hipotético “se me poderia embebedar à frente deles”. E nenhuma Maria Amélia vitimizada, seja feminista, judia, vegan, muçulmana ou outras que excluí da lista propositadamente por medo pela vida e carreira, alguma vez será capaz de o passar. 

A escola do politicamente correcto terá um fim na europa eventualmente, seja porque os europeus se cansaram dos seus efeitos nefastos, seja porque morreram todos graças a estes. Todos os dias ao fazer piadas ou deixar de as fazer, sente-se inquietação pelo censurado e o auto-censurado. E no dia em que a inquietação dê lugar ao “que se lixe”, irá acabar este longo processo de discriminação positiva e talvez eu possa cá vir fazer piadas sobre tipos de tecido e tapetes de reza. 

Até lá o melhor que posso dar é a virgem Nicki Minaj e o kid Jesus cheio de swagga.

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