sexta-feira, 20 de abril de 2012

Precisamos mesmo de saúde?

 

É esta a pergunta que os capitalistas fazem. Todos eles consideram que a saúde é um bem como qualquer outro, e como tal é inteiramente dispensável, aliás, reservado para aqueles que possam pagar por ele – Os patrões e herdeiros de fortunas, a maioria deles corruptos até à medula. Isto nunca os impede de recorrer às urgências quando necessitam no entanto.

 

Claro que para desarmar um neoliberal é necessário argumentar neste assunto desde a origem (o capital que é taxado principalmente aos mais ricos) até ao seu destino terminal (o tipo de cuidados que é administrado ao público).

 

O neoliberal começará por presumir que qualquer imposto ou taxa que não seja cedido ao estado por mútuo acordo é extorsão, o que inviabiliza o SNS ou qualquer outro serviço público. Mas o mútuo acordo é quebrado ainda antes disso, sendo que o capitalista que enriquece, apenas o faz à custa do estado e distanciando-se da média financeira, empurra o resto das pessoas para o fundo e tornando o seu capital mais rarefeito à medida que o primeiro o acumula. É a administração central, com os seus serviços de segurança e apoio que permite que qualquer pessoa possa exercer actividade, logo, já que o empresário recebe a contribuição do estado para roubar o seu alegadamente justo quinhão, também tem que pagar a sua quota para continuar a exercer funções. Em suma, o neoliberal confunde uma extorsão com dois acontecimentos afastados que concatenados tomam a forma de mútuo acordo.

 

Seguindo o rasto dos fundos passamos à distribuição, e é aqui que o SNS começa a mostrar vantagem em relação às firmas privadas, pela sua capacidade de distribuir justa e equitativamente o orçamento da saúde pelas zonas que o necessitam. Enquanto uma clínica privada é moldada pela população que serve, prestando piores cuidados se os fundos auferidos não forem suficientes, o SNS permite que se calcule os custos correctos para servir uma população e manter padrões de qualidade, tanto pelo influxo contínuo de capital como pelo monopólio da formação dos médicos, um monopólio de qualidade (tal não se verifica com os enfermeiros levando a diferenciais avassaladores de qualidade e taxas de desemprego igualmente preocupantes).

Graças ao SNS o idoso de Montalegre pode ter a certeza de um cuidado tão capaz quanto um operário fabril na capital.

 

O mais duvidoso argumento contra os cuidados de saúde públicos é possivelmente o da existência da terceira pessoa no tratamento do doente. Explica o neoliberalismo que ao receber o salário de um terceiro envolvido, o médico não se preocupará em tratar adequadamente o doente, aliás, até poderá ter o incentivo de o tratar pior e tentar que este mude de médico porque afinal de contas um doutor com 1000 doentes ganha o mesmo que um doutor com 500 no serviço público. Há um certo mérito neste departamento por parte do oponente do SNS, é verdade que existe espaço de manobra a que existam maus profissionais e este cenário se concretize. Mas isso não significa que a receita pública deva ser suplantada por um veneno privado, deve sim ser adaptada à realidade. Basta apostar no ensino de qualidade para formar especialistas íntegros, recorrer a avaliações dos profissionais por uma entidade pública mas isenta e impedir a mobilização dos doentes para outros médicos (que deixa de ser necessária se o estado garante a qualidade de todos os seus empregados).

Referi-me ao argumento como duvidoso porque dá-se nele uma comparação blasfema, a de comparar um médico com um contabilista. Os médicos não tratam máquinas à espera de ser pagos, eles devem tratar sim doentes (por vocação) e obter por isso um rendimento é uma questão secundária. Só num utópico (felizmente) paraíso capitalista é que teríamos clínicos tão isentos de compaixão que a questão de quem lhes paga pudesse ter algum peso. Há maçãs podres em todos os pomares mas são estatisticamente irrelevantes.

 

Virando-nos para os dados disponíveis, a interpretação neoliberal é que as dívidas falam por si, o SNS não funciona. A situação é sem dúvida de lamentar mas é em grande parte resultado do enorme investimento que teve que ser feito pós 25 de Abril para cobrir a população toda em termos de saúde. A concretização desse projecto originou algumas lacunas logísticas, hospitais a funcionar em excesso de capacidade logo com excesso de despesas. Salvo os gestores corruptos que por experiências público-privadas tiveram lugar em gabinetes dos hospitais, estes estabelecimentos funcionam de forma bastante eficaz, apenas com orçamentos desadequados à realidade que vivem. A resposta a este problema passa por aumentar essas verbas, retirando-as de projectos menos importantes ou levantando-as do grande capital. Um reforço na caça dos que fogem ao fisco resolveria muito rapidamente os défices do SNS, no entanto é uma tarefa complicada quando o dinheiro se protege a ele próprio.

 

Um amante da sociedade não pode virar costas ao pobre estado em que o SNS se encontra. Mas esta posição sombria não o deve entristecer, deve sim levá-lo a aperfeiçoar esta máquina, prevenir gastos desnecessários e melhorar sempre a qualidade. Olhar para o sector privado (que apenas piora o problema) como uma solução é admitir que nem todas as pessoas merecem a vida, uma afirmação que apenas a mais cruel das pessoas pode fazer.

 

Queria finalizar este texto dizendo que não concordo com absolutamente nada do que escrevi, nenhuma destas explicações tem um mínimo fundamento e basta estar doente e visitar o serviço de urgência para se perceber que a saúde em Portugal é uma lotaria e que aos olhos do estado cada doença tem um preço, independentemente das particularidades da pessoa em que ela está.

 

Quem se identificar com o que eu tenha dito nitidamente precisa de tirar um ano para aprender como o mundo funciona.

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