quarta-feira, 15 de maio de 2013

As aventuras do gajo da flor 2


As roupas do gajo da flor enxugaram depressa no sol do porto, agora dava-se por contente por ter trazido calças de ganga em vez de ter roubado as calças de yoga da irmã. A durabilidade do tecido em condições adversas jogaria a seu favor no longo prazo, mesmo baixando o appeal perante a comunidade homossexual. Antes odiado e vestido do que amado mas com a genitália a esfregar-se contra as intempéries.

Com calma dirigiu-se à frente da roulotte das omeletes. Era uma roulotte branca, antiga, enferrujada prematuramente pela maresia e a diarreia das gaivotas. Através da janelinha das vendas transpirava um odor a omeletes acabadas de fazer e colónia barata. O gajo inclinou-se no balcão na tentativa de encontrar quem o servisse. Repentinamente saltou na frente dele um homem ruivo, de sorriso psicadélico. O seu cumprimento levou o gajo da flor a saltar para trás e com o susto acabou por cair.

“Heeeeey!”, cumprimentou o vendedor e continuou “Posso ajudá-lo?”

“Oh… sim, sim, claro. Queria uma omelete com fiambre.”

O vendedor acenou e gritou para o fundo da roulotte, “olha a omelete!”. Seguidamente deslocou-se para o lado e iniciou o longo e penoso processo de bater os ovos, que por anos de experiência e mãos calejadas, transformou numa harmoniosa sinfonia clássica, se tocada por garfos a bater em taças de porcelana.

“Eu sou o Pedro, faço omeletes para os marinheiros há 20 anos! Sabe, quem me inspirou a seguir a cozinha fina foi o Jamie Oliver, cresci com os programas da Filipa Vacondeus mas depois de comprar todos os trens de cozinha da IdeiaCasa senti-me perdido. Foi o Jamie Oliver, na sua eterna sabedoria, que me pegou com as suas mãos e deu rumo à minha vida.”

Sentindo-se constrangido pelo desembaraço do chef Pedro em contar pormenores íntimos da sua vida mas sem interesse em divulgar a dele, o gajo da flor enveredou pelo caminho inquisitivo.

“Mas conheceu o Jamie Oliver?”

“Não, não! Uma vez cruzei-me com ele na rua, ele pegou-me no punho a pensar que eu era um rolo de carne. Penso que estava a fazer uma campanha sobre comida de cantina e acabou por me mandar embora… mas houve química gastronómica. Desde então que me dedico à minha roulotte, na esperança que um dia possa dizer que no mundo ninguém sofre por falta de omeletes e que eu fiz a minha parte. É uma guerra, sabe?” Findo o trabalho de obter a mistura homogénea perfeita, tratou de criar uma sensível chama debaixo da frigideira. Todo o processo parecia ao gajo da flor uma dança, executada de forma graciosa e delicada, uma autêntica cerimónia real. Os ovos começaram a gemer sobre o calor e Pedro preencheu o seu topo líquido com pedaços finíssimos de fiambre, cortados sensivelmente com a unha do seu dedo mindinho. No ar sentiu-se a sombra e bênção do método de Jamie Oliver, o carinho manual na cozinha contra a tirania do uso de instrumentação estéril e fria. Com a mesma destreza dobrou o colóide, que se moldava como barro nas mãos de um artista.

“Não fazia ideia… há anos que como omeletes mas de onde venho nós tomamo-las como algo certo na vida. Nunca pensei que em outras partes do mundo houvesse tanta falta delas. Claro que não tenho a experiência do senhor Pedro, nem tampouco era viajado até hoje.”

“Ah sim? De onde é?”

O gajo da flor sentiu-se constrangido pela pergunta. Estava no início da sua aventura e não queria cometer erros deixando transparecer informação que pudesse ser usada contra ele. A sua testa enrugou e respondeu, “não sou daqui mas no dia em que não houver falta de omeletes levo-o à minha terra para casar com uma irmã minha! Mas diga lá, com tantos problemas com esta iguaria, certamente que há comissões a tratar do assunto, não?”

Pedro riu-se, colocando as mãos nas extremidades globosas do seu abdómen. “Sim, certamente que há! Temos encontros e palestras bianualmente! Mas olhe, vou terminar a sua refeição antes que fique fria.”

Com isto, o cozinheiro retirou uma faca da cintura com que descolou a omelete da frigideira. Cautelosamente colocou o polegar no topo desta e com a pinça improvisada passou o real maná para um par de toalhetes de esplanada que rapidamente saturaram com o óleo, o mais rico manjar dos deuses. Trocou-se comida por moedas de ouro e o gajo da flor despediu-se cordialmente.

“Ainda volto cá para experimentar com cogumelos!”

“Volte sempre! Da próxima arranjo-lhe uns panfletos!”

Entretido com a única comida que tinha visto a manhã toda, o gajo da flor tomou a direcção que o capitão Estrela lhe tinha indicado. Um pensamento não lhe saia da cabeça no entanto, “eu não vi óleo nenhum na frigideira”.

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